segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Qualidade de Processo


Pergunte a qualquer funcionário de qualquer empresa: “qual a finalidade desta empresa?” e obterá variações da mesma resposta, algo como “gerar lucro através de um produto/serviço que tenha qualidade diferenciada para se perpetuar no mercado”, o que é corretíssimo. Quebrando esta resposta temos três elementos chave: lucro, produto de qualidade e longevidade de negócio.
Ora, se o intuito fosse tão somente obter lucro, o dono, ou sócio capitalista, ou investidor, poderia tão somente dirigir seus recursos ao mercado financeiro, com sua gama de opções mais ou menos arrojadas para ganhar (ou em certos casos – como em qualquer negócio – perder) dinheiro. Então entra aí o elemento diferencial, o produto ou serviço geralmente com o qual o dono do negócio se identifica, seja por herança de família, seja por vocação.
Então temos como elemento chave dessa equação a obtenção de um produto/serviço (que para simplificar vamos passar a chamar somente de “produto”) de qualidade. Nesta medida, a percepção do mercado sobre este produto irá determinar a longevidade do negócio.

Qualidade de Produto
Mas o que seria um “produto de qualidade”, e melhor, como obtê-lo e mantê-lo à frente dos concorrentes? Este assunto será tema de outros artigos de forma mais científica, por enquanto vamos nos ater à noção intuitiva, que nos basta. Na área de TI, um produto de qualidade é aquele que atende às necessidades do cliente, supera suas expectativas, é fácil de usar, confiável em seus resultados e oferecido a um preço justo. Tão simples quanto difícil de obter, e quando se obtém é necessário dar um passo à frente para não ser atropelado por uma concorrência feroz, e para isso a inovação constante é um forte apelo mercadológico. Destes fatores depende toda a sobrevivência da empresa, e das muitas famílias que esta alimenta.
Desta forma, basta trabalhar consistentemente o desenvolvimento dos requisitos para percepção das necessidades explícitas e implícitas do cliente ou mercado a fim de atingí-las e superá-las constantemente, investir esforços numa engenharia robusta que consiga atingir níveis sempre crescentes de performance e testar exaustivamente para minimizar até a ínfima possibilidade de erro, ou até mesmo eliminar efetivamente esta possibilidade em casos críticos como sistemas de suporte à vida ou tecnologia espacial – por exemplo – onde erros podem significar dano à vida humana.
Ainda, um produto de qualidade deve atender a um requisito básico do negócio: ser rentável à empresa que o produz. Assim, controlar esforços, custos e mesmo prazos de entrega são atividades essenciais para que o produto não tenha somente qualidade para o cliente, mas também para a empresa que o criou, atingindo assim sua finalidade como negócio.

Finalidade do Processo
Então, em última análise, o que faz um produto de qualidade é a aplicação de um conjunto agregado de conhecimentos e habilidades que contribuem para o sucesso da finalidade a que se propõem. O grande problema da área de TI é que estes conhecimentos e habilidades são inerentes a pessoas que podem ou não ser retidas pela empresa, e em muitos casos, a perda de profissionais que detém estes conhecimentos ou habilidades pode significar o fim dos negócios, ou pelo menos uma grave crise empresarial.
Daí que a finalidade de um processo dentro de uma empresa é justamente o de transferir estes conhecimentos e habilidades das pessoas para a organização, de forma com que ela possa manter a continuidade da geração de produtos de qualidade independente da pessoa A ou B. Dá para começar a entender o porque de certos profissionais de TI não gostarem nem um pouco de processos, pois – principalmente dentro de uma visão imediatista e estreita – este processo “esvaziaria” o valor da pessoa em benefício da empresa, retirando poder de barganha deste profissional. Como disse, essa é uma visão estreita da questão, pois bons profissionais de verdade serão sempre disputados pela empresa para que desenvolvam cada vez mais o seu processo e não somente o seu produto.

3 elementos do processo
Mas o que é afinal um processo? Ele é a conjunção de três elementos que interagem constantemente: pessoas, procedimentos e ferramentas. Estes são considerados os ativos que uma empresa possui para que desenvolva seus processos. O erro mais comum que uma empresa pode cometer seria negligenciar um destes aspectos na condução de seu negócio: deixar de capacitar e estimular as pessoas, para que se sintam aptas e motivadas a usar o melhor de seus conhecimentos e habilidades em pról da obtenção de ganhos para a empresa; deixar de avaliar a adequação de seus procedimentos (tarefas, normas, orientações técnicas) ou de evoluí-los para avançar constantemente em sua melhoria; ou ainda deixar de investir em ferramentas que suportem estes procedimentos e facilitem a execução das tarefas pelas pessoas, agregando ao mesmo tempo produtividade, controle e aderência, liberando tempo precioso para atividade criativa, o que finalmente permitirá a inovação constante que espera-se irá manter os negócios na linha do tempo.
Percebe-se então que o processo é a base de um negócio, é seu ativo mais estratégico, o que o diferencia de um mero investimento para torná-lo uma entidade com personalidade própria percebida pelos clientes e colaboradores. Seria óbvio portanto imaginar que todo processo deveria evoluir a partir do planejamento estratégico da organização, maximizando a capacidade empresarial para extrair o melhor resultado das oportunidades e reduzir ao mínimo o risco das ameaças, fornecendo elementos para potencializar os pontos fortes e diminuir as vulnerabilidades do negócio. Seria óbvio, mas em muitos casos o foco da empresa – seja no nível operacional, tático ou estratégico – se desvia para questões mais imediatas, onde a gestão da qualidade perde para a urgência da gestão pelo fluxo de caixa. Quando fazer dinheiro é mais importante que construir um negócio sólido, é o momento em que o barco começa a fazer água e o profissional antenado deve procurar então um porto seguro para continuar sua vida e sua carreira.

Qualidade de Processo
Voltando à questão do processo, é axiomático dizer que “um processo de qualidade gera um produto de qualidade”. Apesar desta ser uma lei consolidada, apoiada em um século de observação e experimentação dentro da administração científica inaugurada por Taylor e Fayol no início do século XX, muitos profissionais e por consequência muitas empresas se perdem nesta questão, mantendo o foco tão somente na qualidade do produto, quando esta é um fim e não um meio em si. Na outra ponta deste cabo de guerra, o engano frequente é imaginar que então, para obter um produto de qualidade é preciso somente um processo (e ponto), e assim gasta-se muito esforço em manter as pessoas amarradas a este processo sem a interação crítica necessária para evoluí-lo. Voltando ao axioma citado no início deste tópico, para um produto de qualidade é necessário um processo de qualidade.
Aplicado ao desenvolvimento de software, podemos intuir que um processo de qualidade deve se ater aos fatores que elencamos – lá no início deste artigo – como elementos de qualidade de um produto de software. Então, para que o produto atinja as necessidades do cliente é fundamental investir num processo de requisitos que perceba e desenvolva criteriosamente estas necessidades, dotado de pontos de controle internos e externos ou, para falar em termos mais técnicos, verificados pela equipe e validados pelo cliente. Para que o produto seja robusto e com boa performance, é necessário um processo de engenharia que desenvolva a arquitetura mais adequada, num código limpo, claro e fácil de manter, cujas etapas sejam revisadas e controladas em pontos chave para corrigir na origem os possíveis erros de projeto. Por fim, para que se obtenha um produto confiável, é preciso estabelecer uma rotina de testes adequada à criticidade e finalidade do produto.
Um processo de qualidade é então aquele que atente para a obtenção da qualidade do produto em todas as suas etapas de desenvolvimento, antecipando falhas e verificando constantemente cada uma destas etapas quanto à adequação aos parâmetros esperados.

Melhoria continua
Simples, não? Basta então percebermos o que é necessário para obter este produto que queremos fazer e então temos um processo perfeito que deve ser elaborado, sustentado, mantido como um tóten sagrado, repetido como um mantra pela organização afora, certo? Errado. É praticamente impossível obter tal nível de qualidade partindo do zero e não se pode esperar uma eternidade para que este processo esteja pronto antes de começarmos a “rodar” o nosso negócio.
A solução é começar com o que se sabe, conhecer e estabelecer o processo natural da empresa e então passar a executá-lo, monitorá-lo e melhorá-lo constantemente num ciclo sem fim, para que se mantenha a empresa sempre à frente das demais (eis Deming novamente, com seu ciclo PDCA, tão simples quanto absoluto em termos de filosofia da qualidade). Até porque as pessoas mudam de empresa e então bastaria contratar um profissional que conhecesse bem o processo do concorrente para se obter o mesmo nível de qualidade deste e então poder lutar por sua fatia de mercado, ainda que levasse algum tempo. Justamente por isso é tão importante a melhoria contínua do processo e do produto, focando sempre na inovação, fazendo o cliente perceber necessidades que antes ele nem sabia que tinha e fazer com que ele sinta que não pode mais viver sem aquilo. Nem preciso citar exemplos na área de tecnologia para ilustrar isso, basta olhar à sua volta, caro leitor. Quando se obtém esse nível, o concorrente pode se esforçar por copiá-lo que quando conseguir o seu negócio já estará em outro patamar, de forma que a concorrência estará sempre “correndo atrás”.

Conclusão
A esta altura, esperamos ter sensibilizado o leitor para a efetiva importância de um processo de desenvolvimento de produto dentro de uma organização. Seu papel como fator estratégico para obtenção de diferencial mercadológico e portanto para sobrevivência do negócio da organização. Este é o cerne, o núcleo da gestão da qualidade, que é o tema deste blog, e que obviamente não se esgota nestas poucas linhas, mas que tem seu fundamento, seus alicerces, nestes conceitos.
Mais adiante vamos esmiuçar este universo para desvendar os inúmeros fatores que contribuem para o sucesso de um negócio, por enquanto foi fundamental compreender isso: um produto de qualidade não se obtém do nada, e não basta para uma organização o talento e esforço de um indivíduo para obtê-lo. Estes talentos, traduzidos em conhecimentos, habilidades e atitudes – ou resumindo, capacidades – devem ser absorvidos pela empresa, tornando-se ativos perenes desta e em constante desenvolvimento. O caminho para isso é um só: processo organizacional.

Nenhum comentário:

Postar um comentário